Um conjunto de ensaios bem distintos em seus estilos e motivações, e esse é um dos seus maiores méritos, mas que se debruça nas diferentes formas através das quais corpos desertores do binarismo de gênero e da heterossexualidade compulsória, nos contextos territoriais e fronteiriços do que se chama Brasil e América Latina, criam e inventam para, de forma comunitária, tornar as suas existências possíveis nesses terrenos marcados pelas violências de gênero e sexuais, raciais e neocoloniais. Transitando entre a Literatura e a Filosofia, entre poema e prosa, ensaio e autobiografia, e articulando seu pensamento com inúmeros artistas (poetas, escritores, músicos, performers, quadrinistas) e ativistas (trans, antirracistas, descoloniais, insurrecionários) abigail Campos Leal avança numa escrita forte, emotiva e transgressora, não apenas se aprofundando nas proposições e contribuições desses interlocutores, mas tentando criar algo novo a partir desse diálogo. tatiana nascimento, Susy Shock, Jota Mombaça, Hija de Perra, Sapatoons Queerdrinhos, Claudia Rodriguez são alguns dos nomes que a autora evoca nos seus diálogos.
O livro parte de problemas bem situados e cotidianos, quase pequenos demais, mas aí mesmo, em experimentos arriscados e sensíveis, a autora faz a força desses diálogos explodir em reflexões que alcançam outras escalas e novas dimensões. A difusão e apropriação da chamada teoria queer e a construção de práticas político-performativas e artísticas de deserção de gênero e sexualidade no contexto latino-americano, a transfobia y lgbtqiafobia, a gordofobia, racismo, racismo e mestiçagem, a luta clandestina e anônima de insurrecionaristas, a arte e a vida trans e preta se reinventando cotidinamente, eis alguns dos problemas abordados pela autora. ex/orbitâncias é um livro ousado em seu estilo e em suas temáticas e aí, carrega a contribuição histórica de uma época que passa por grandes transformações e que é igualmente povoada por novos anseios, por desejos desenfreados de transformação.
É um livro urgente não só porque documenta e arquiva essas novas forças históricas, que atuam e transformam a arte e a política atual, mas porque aí, nos oferece novas pistas e nos convida a imaginar outras formas de habitar esse mundo abalado por intensas transformações e conflitos.